domingo, 2 de agosto de 2009

O Futebol

“Quem inventou o futebol? Ah, me disseram que foi um tal de Charles Miller, mas será que é isso mesmo?” Obviamente que não, Miller é por muitos considerado como o principal introdutor e disseminador deste esporte no Brasil, mas o futebol já existia muito antes de Miller o conhecer, e a tarefa de atribuir a criação do futebol a alguém ou a alguma nação é praticamente impossível.
O futebol não foi simplesmente inventado, como o basquetebol ou o voleibol que foram criados para atender a determinadas demandas. O futebol é, na verdade fruto da evolução histórica de inúmeros jogos com bola praticados por diferentes povos em diferentes épocas que em determinado momento recebeu seu código de regras, tornando-se um dos pilares do esporte moderno.
Vestígios arqueológicos revelam a presença de esferas ligadas a formas de passatempo nas civilizações inaugurais do Oriente Próximo e mesmo no períodoneolítico. Impossível pensar que alguma sociedade desconhecesse - ou desconheça nos dias de hoje - um tipo qualquer de jogo que envolva uma bola. Apesar de nem todos estes jogos estarem relacionados ao futebol, com certeza ajudaram a construir o esporte que conhecemos hoje.

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Jogo de Kemari no Japão dos dias atuais
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Na Antigüidade, pelo menos desde o século III a.C. na China, alguns historiadores admitem que, os soldados chineses dispunham de um livro de instruções militares que identificava o Tsu-Chu como atividade de treinamento da guarda imperial e, posteriormente, de todos os soldados que se preparavam para guerra. Ainda no Oriente, outra milenar tradição se identifica como espectro de ancestralidade do futebol. O Kemari, praticado no Japão, cerca de 500 ou 600 anos depois do exemplo chinês, demonstrava um acuro muito mais ritualístico que competitivo. Este, embora inspirado no jogo dos chineses, possuía características próprias. Não se contavam pontos sendo como único objetivo do jogo apurar a técnica de dominar a bola com os pés. O Kemari era um passatempo da realeza. Consta que inclusive alguns imperadores estavam entre os seus praticantes.

Nos 12 séculos de existência dos antigos Jogos Olímpicos, esportes com bola jamais foram incluídos nos programas oficiais, apesar do enorme apreço dos gregos pelos jogos com bola, os quais denominavam genericamente de sphairomakhia.
Assim, os relatos de jogos com bola no hemisfério ocidental durante a Antigüidade remetem inicialmente à Grécia, onde se praticava o Epyskiros (por volta do século I a.C.), neste jogo, soldados gregos dividiam-se em duas equipes de nove jogadores cada e jogavam num terreno de formato retangular. Na cidade grega de Esparta, os jogadores, também militares, usavam uma bola feita de bexiga de boi cheia de areia ou terra. Relatos indicam ainda que este jogo possuía a característica de competição visando arremessar a bola para além de uma linha que demarcava o fundo do campo adversário.

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Império Romano e a disseminação do Harpastum
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Durante o apogeu do Império Romano, os mesmos acabaram por apropriarem-se de alguns elementos da cultura de seus dominados, foi desta maneira que a partir do Epyskiros os romanos desenvolveram o Harpastum . O Harpastum romano apropriou-se do modelo básico do jogo grego - que é, aliás, o mesmo da prática chinesa: a disputa pela posse de bola até a ultrapassagem das linhas demarcatórias de metas -, mas ampliou-o fixando certas funções aos seus praticantes, aproximando este jogo das formações táticas do futebol moderno.

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Figura de romanos praticando o Harpastum
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Foi o Exército Romano – que seguia conquistando terras rumo ao norte - o principal agente na introdução do Harpastum na Europa. Mesmo na Gália e na Bretanha - grosso modo, os atuais territórios da França e da Inglaterra, sendo que, quanto a esta última, os historiadores divergem: uns acreditam que tenha sido de fato os romanos, durante os quatro séculos de domínio que se seguiram à primeira expedição de úlio César, no ano 43 d.C., que deram a conhecer aos bretões as regras do Harpastum; outros afirmam que os romanos, ao chegarem à Bretanha, já encontraram lá um futebol nativo, de origem meio lendária, meio cívica.- as legiões romanas se não o introduziram, pelo menos reforçaram a prática do jogo, acompanhando o compasso da consolidação fronteiriça.

Depois de sabermos um pouco mais sobre a origem dos jogos de bola ancestrais do futebol, vamos saber como estes jogos chegaram à Idade Média e se transformaram em espetáculos de extrema violência.
Tendo como seus disseminadores na Europa, norte da África e parte da Ásia, osromanos
, os jogos ancestrais do futebol não poderiam tomar outro rumo que não fosse o dos espetáculos sanguinários. Afinal de contas todos se lembram do quanto os imperadores Romanos apreciavam massacres como as lutas dos gladiadores com animais ferozes no Coliseu.

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Mass football - o futebol da Idade Média
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Não se sabe ao certo se o futebol primitivo praticado na Inglaterra da passagem do períodoMedieval para a Idade Moderna tenha se originado de tradições muito antigas, ou se tenha sido realmente introduzido pelas legiões romanas.
O fato é que as histórias desta origem não são nada bonitas. Uma delas conta que no longínquo ano de 217 os bretões comemoraram uma vitória sobre os romanos chutando o crânio de um general. Outra versão dá conta que no século XI após derrotar os dinamarqueses, saxões divertiram-se com o crânio de um oficial morto em combate, disputando-o e arremessando-o com os pés.

O nome que se usava para os jogos de bola na Inglaterra era “ludus pilae”. Durante o Carnaval e, principalmente nas “Shrove Tuesdays” -, praticava-se uma disputa pela pelota bem curiosa: cerca de 500 pessoas de cada lado esbofeteavam-se em um vale-tudo para fazer a bola ultrapassar a linha de meta adversária. Na cidade de Ashbourne, os portões norte e sul serviam como gols para as equipes. A violência era tão presente que, além das brigas, seguidamente o saldo final das partidas era a morte de alguns praticantes.

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Ludus Pilae: o futebol da Idade Média
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Este jogo também recebeu o nome de mass football, jogo de rua, violento, às vezes fatal, que vinha de antiga tradição: a da disputa de uma bola de bexiga de boi, envolvida em couro, que o sapateiro de Derby atirava ao alto na terça-feira gorda, para que dois times — 50 ou mais jogadores da cada lado — tentassem fazê-la passar pela porta da cidade defendida pelo time adversário. Para isso, valia de tudo: socos, pontapés, cotoveladas, gravatas, golpes sujos.
O futebol conhecido em Derbyshire, durante a Idade Média, era um jogo primitivo, violento, semi-bárbaro e, por tudo isto, mal visto, tanto que chegou a ser proibido pelo rei Eduardo II. Além da violência, o rei decidiu proibir o jogo porque o interesse de seus soldados pelo futebol era tanto que eles passavam a se descuidar do treinamento para guerra como arco e flecha, esgrima e arremesso de lanças.

Fora da Inglaterra, porém tanto na Idade Média quanto na Renascença, o futebol teve nobres apoiadores. O jogo dos Franceses - denominado soule ou choule, provavelmente era também uma variante do harpastum romano, sendo praticado tanto pelo homem do povo como por nobres.

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Quadro retratando o Calcio
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Na Itália do mesmo período, as formas anteriores de futebol não sofreram perseguições claras pelo poder público. Havia, inclusive, uma certa boa vontade da nobreza para com o jogo. Na Itália esta aproximação da aristocracia com o Calcio - termo ainda hoje utilizado no país como sinônimo do futebol moderno - é comumente explicada por uma tradição florentina.
Os italianos foram os primeiros a registrar a organização em um conjunto de regras para o jogo de bola. Um certo Giovani Bardi recolhera depoimentos orais sobre a formatação tática do jogo disputado na década de trinta do século XVI e escreveu, em 1580 a obra "Discorso sopra il gioco del calcio fiorentino".

No final da Idade Média e início da Moderna, os colonizadores passam a descortinar a cultura dos povos americanos e, como não podia ser diferente os jogos com bola também fizeram parte desta cultura, sendo pela primeira vez encontrados relatos da utilização de bolas confeccionadas com látex, contudo, acredita-se que os jogos praticados nas Américas não contribuíram para a consolidação do futebol moderno.

Depois de conhecermos os jogos ancestrais do futebol na Antigüidade e na Idade Média, chegou a hora de entendermos como jogos tão diferentes deram origem ao futebol moderno que conhecemos atualmente.

Voltando à Europa, agora na Idade Moderna, observa-se, um relaxamento na oposição ao futebol a partir do século XVII. Em 1660, por exemplo, Carlos II, foi o primeiro soberano inglês a autorizar o jogo de bola.

É bem provável que os jogos de bola só tiveram uma segunda chance em alguns países devido à sua esportivização, isto é, sua codificação em regras que tentaram diminuir seu acentuado tom de violência e de desordem e que viabilizaram a sua tolerância, principalmente nas escolas e universidades da Inglaterra do início do século XIX.
É importante sabermos que, na fase anterior à esportivização, os jogos eram regulamentados por tradições locais, sendo assim variavam suas regras de um local para o outro e se caracterizavam por um alto grau de violência entre seus jogadores. A normatização destes jogos na Inglaterra passou por vários estágios até se chegar ao que hoje é denominado de esporte.

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Futebol sem regras na Inglaterra do século XIX
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Desde a década de 1840 o esporte passa a ser obrigatório nos recreios das escolas britânicas. Isso aconteceu porque a rainha Vitória, aconselhada pelo pedagogo Thomas Arnold, pôs fim à proibição soberana que, por séculos, seus antecessores andaram impondo ao mass football.
Na primeira década do século XIX, o futebol e outros esportes, já faziam parte da educação regular dos jovens que freqüentavam não só as escolas públicas, mas também os estabelecimentos particulares e universidades. Em cada um deles o futebol foi sendo codificado, surgindo as primeiras leis ou regras escritas impressas e publicadas.

Além da entrada no ambiente escolar, outro fator que contribuiu para que o futebol se transformasse no esporte que conhecemos hoje, foi o associacionismo dos clubes, ou seja, os clubes que se dedicavam à prática do futebol perceberam a necessidade de se unificar as regras para que pudessem jogar entre si dentro das mesmas normas, permitindo também partidas de futebol entre nações.

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Ilustração de jogo de futebol pós-esportivização na Inglaterra do século XIX
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Por este motivo, os ingleses são apontados como os pais do futebol, afinal de contas coube aos britânicos a institucionalização do jogo sistematizando suas regras em manuais que fixavam normas como número de jogadores, tamanho de campo e gestos que seriam ou não permitidos.
O futebol moderno começou a ser criado em 1848, quando, na Universidade de Cambridge, uma conferência reuniu a maioria dos diretores de colégios que praticavam o esporte. Nessa reunião, foi decidido a proibição de usar-se mãos e braços (com exceção do goleiro) no jogo. As regras, porém, não foram aceitas por todas as escolas.

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Jogo de rugbi
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Quinze anos mais tarde, em 26 de Outubro de 1863, reunidos na Taberna Freemason, em Great Queen Street, em Londres, 11 clubes e escolas criaram as bases para regras que hoje regem o futebol. Nesta reunião foi levantada uma polêmica quanto à preferência pelo jogo de futebol “limpo” onde seria coibida a violência e abolido o jogo com as mãos, jogo este de acordo com as regras de Cambridge e o jogo que permitia um maior contato e uso das mãos, chegando a ser agressivo. Como os representantes não chegaram a um consenso, a questão foi colocada em votação, vencendo as regras propostas por Cambridge, os derrotados descontentes, abandonaram o futebol para desenvolverem um outro esporte, daí para a frente futebol e rugbi passaram a seguir caminhos distintos.

No início do século XX, o futebol mundial começou a se organizar. As federações nacionais já existiam, mas não havia uma organização internacional capaz de regular as relações de um país e outro no campo futebolístico. Em 21 de maio de 1904 é aprovado um estatuto que regeria as relações futebolísticas entre as nações e surge a FIFA (Federation International Football Association) que, devido a problemas diplomáticos, à falta de credibilidade de uma entidade recém-criada e ao cenário iminente de guerra, conseguiu por em prática o sonho de organizar um torneio mundial entre seleções nacionais apenas em 1930, realizado, curiosamente, no Uruguai, entre outros fatores em virtude do estado catastrófico em que se encontravam os países europeus pós-guerra.
Neste ponto o futebol já havia se espalhado por todos os cantos do planeta, chegando ao Brasil na última década do século XIX trazido por marinheiros, padres jesuítas ou pelo próprio Charles Miller, quem sabe. Mas esta é uma outra história que fica para outra hora.


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